sexta-feira, 16 de março de 2012

RUI BARBOSA

Rui Barbosa de Oliveira, político e jurisconsulto, nasceu em Salvador, Bahia, em 5 de novembro de 1849. Bacharelou-se em 1870 pela Faculdade de Direito de São Paulo. No início da carreira na Bahia, engajou-se numa campanha em defesa das eleições diretas e da abolição da escravatura. Foi político relevante na República Velha, ganhando projeção internacional durante a Conferência da Paz em Haia (1907), defendendo com brilho a teoria brasileira de igualdade entre as nações. Eleito deputado provincial, e adiante geral, atuou na elaboração da reforma eleitoral, na reforma do ensino, emancipação dos escravos, no apoio ao federalismo e na nova Constituição. Por divergências políticas, seu programa de reformas eleitorais que elaborou, mal pode ser iniciado, em 1891. Em 1916, designado pelo então presidente Venceslau Brás, representou o Brasil centenário de independência da Argentina, discursando na Faculdade de Direito de Buenos Aires sobre o conceito jurídico de neutralidade. O discurso causaria a ruptura definitiva da relações do Brasil com a Alemanha. Apesar disso, recusaria, três anos depois, o convite para chefiar a delegação brasileira à Conferência de Paz em Versalhes. Com seu enorme prestígio, Rui Barbosa candidatou-se duas vezes ao cargo de Presidente da República - nas eleições de 1910, contra Hermes da Fonseca e 1919, contra Epitácio Pessoa - entretanto, foi derrotado em ambas, sendo o período durante a primeira candidatura o marco inicial e sua Campanha Civilista. Como jornalista, escreveu para diversos jornais, principalmente para A Imprensa, Jornal do Brasil e o Diário de Notícias, jornal o qual presidia. Sua extensa bibliografia recolhida em mais de 100 volumes, reúne artigos, discursos, conferências EE. questões políticas de toda uma vida. Sócio fundador da Academia Brasileira de Letras, sucedeu a Machado de Assis na presidência da casa. Sua vasta biblioteca, com mais de 50.000 títulos pertence à Fundação Casa de Rui Barbosa, localizada em sua própria antiga residência no Rio de Janeiro. Rui Barbosa faleceu em Petrópolis, no Rio de Janeiro, em 1923. 




justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.




Onde está a felicidade? No amor, ou na indiferença? Na obidiência, ou no poder? No orgulho, ou na humildade? Na investigação, ou na fé? Na celibridade, ou no esquecimento? Na nudez, ou na prosperidade? Na ambição, ou no sacrifício? A meu ver, a felicidade está na doçura do bem, distribuído sem idéia de remuneração. Ou, por outra, sob uma fórmula mais precisa, a nossa felicidade consiste no sentimento da felicidade alheia, generosamente criada por um ato nosso. 



De tanto ver triunfar a maldade,
De tanto ver crescer as injustiças,
De tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos homens,
O homem chega desanimar-se da virtude,
A rir-se da honra
e ter vergonha de ser honesto... 






O homem que não luta pelos seus direitos não merece viver




"A justiça pode irritar porque é precária. A verdade não se impacienta porque é eterna."




Não é a terra que constitui a riqueza das nações, e ninguém se convence de que a educação não tem preço".




SINTO VERGONHA DE MIM


Sinto vergonha de mim, por ter sido educador de parte deste povo, por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a honestidade, por primar pela verdade, e por ver este povo já chamado varonil, enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim, por ter feito parte de uma era que lutou pela democracia, pela liberdade de ser e ter que entregar aos meus filhos, simples e abominavelmente a derrota das virtudes pelos vícios, a ausência da sensatez no julgamento da verdade, a negligência com a família, célula-mater da sociedade, a demasiada preocupação com o ‘eu’ feliz a qualquer custo, buscando a tal ‘felicidade’ em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir, sem despejar meu verbo a tantas desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade, a tanta falta de humildade para reconhecer um erro cometido, a tantos ‘floreios’ para justificar atos criminosos, a tanta relutância em esquecer a antiga posição de sempre ‘contestar’, voltar atrás e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim, pois faço parte de um povo que não reconheço, enveredando por caminhos que não quero percorrer…
Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra, das minhas desilusões e do meu cansaço. Não tenho para onde ir, pois amo este meu chão, vibro ao ouvir o meu Hino e jamais usei a minha Bandeira para enxugar o meu suor, ou enrolar o meu corpo na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo deste mundo!
‘De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude. A rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto’. 





Quanto maior o bem , maior o mal que da sua inversão procede.



Se um dia, já homem feito e realizado, sentires que a terra cede a teus pés, que tuas obras desmoronam, que não há ninguém à tua volta para te estender a mão, esquece a tua maturidade, passa pela tua mocidade, volta à tua infância e balbucia, entre lágrimas e esperanças, as últimas palavras que sempre te restarão na alma: minha mãe, meu pai. 



Criaturas que nasceram para ser devoradas, não aprendem a deixar-se devorar.




"O Exército pode passar cem anos sem ser usado, mas não pode 
passar um minuto sem estar preparado.




As leis são um freio para os crimes públicos - 
a religião para os crimes secretos.




Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!




A morte não extingue, transforma; não aniquila, renova; não divorcia, aproxima.


- Se os fracos não tem a força das armas, que se armem com a força do seu direito, com a afirmação do seu direito, entregando-se por ele a todos os sacrifícios necessários para que o mundo não lhes desconheça o carácter de entidades dignas de existência na comunhão internacional.




- A existência do elemento servil é a maior das abominações.




- Toda a capacidade dos nossos estadistas se esvai na intriga, na astúcia, na cabala, na vingança, na inveja, na condescendência com o abuso, na salvação das aparências, no desleixo do futuro.






- Na paz ou na guerra, portanto, nada coloca o exército acima da nação, nada lhe confere o privilégio de governar.

- A espada não é a ordem, mas a opressão; não é a tranqüilidade, mas o terror, não é a disciplina, mas a anarquia, não é a moralidade, mas a corrupção, não é a economia mas a bancarrota.

- Outrora se amilhavam asnos, porcos e galinhas. Hoje em dia há galinheiros, pocilgas e estrebarias oficiais, onde se amilham escritores.

- O ensino, como a justiça, como a administração, prospera e vive muito mais realmente da verdade e moralidade, com que se pratica, do que das grandes inovações e belas reformas que se lhe consagrem.




Os patos de Rui Barbosa

Diz a lenda que Rui Barbosa, ao chegar em casa, ouviu um barulho estranho vindo do seu quintal. Chegando lá, constatou haver um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos, disse-lhe:
- Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à qüinquagésima potência que o vulgo denomina nada.
E o ladrão, confuso, diz:
"- Dotô, eu levo ou deixo os pato?" 


OLAVO BILAC



Os amantes da literatura certamente aplaudem a decisão de Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, que abandonou os cursos de medicina e direito para se dedicar à poesia. Além de poeta, foi jornalista, crítico, inspetor da Instrução Pública e membro do Conselho Superior do Departamento Federal. Pertenceu à Escola Parnasiana Brasileira, sendo um dos seus principais representantes, ao lado deAlberto de Oliveira e Raimundo Correia. Para os seus mais fervorosos admiradores, Olavo Bilac nasceu mesmo predestinado à poesia, pois o seu nome completo é um verso alexandrino (12 sílabas poéticas).

Membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupou a cadeira número 15 da entidade, cujo patrono é outro poeta: Gonçalves Dias. A sua preocupação em atingir a perfeição é refletida em alguns poemas, que possuem uma grande beleza pelo ritmo e sonoridade. Boêmio inveterado, Olavo Bilac também foi um dos maiores defensores da abolição da escravatura, unindo-se a José do Patrocínio.

Começou a ganhar fama entre os escritores brasileiros com a publicação de "Poesia" (1888). Doze anos mais tarde, seguiu para Paris como correspondente da publicação "Cidade do Rio". Encantando com a capital francesa, Olavo Bilac passou a visitar regularmente a cidade, nos anos seguintes.

Um dos fundadores da Liga da Defesa Nacional (da qual foi secretário-geral), lutou pelo serviço militar obrigatório, que considerava uma forma de combater o analfabetismo. Na adolescência, foi bastante influenciado pelos poetas franceses. Suas poesias revelam uma grande emoção, um certo erotismo e influência marcante da poesia portuguesa dos séculos 16 e 17. Nas duas primeiras décadas do século 20, os seus poemas eram declamados em saraus e salões literários, comuns na época

A correção da linguagem, o rigor da forma e a espontaneidade são as principais características de seus versos. Além de "Poesias", publicou também "Crônicas e Novelas", "Conferências Literárias", "Ironia e Piedade", entre outras obras, como crônicas, conferências literárias, discursos, livros infantis e didáticos.. Olavo Bilac, autor do Hino à Bandeira Nacional, fez oposição ao governo do marechal Floriano Peixoto. Perseguido pelo governo do marechal, Olavo Bilac ficou um tempo escondido no interior de Minas Gerais. Quando regressou ao Rio, foi preso.

O talento literário de Olavo Bilac começou a ser notado quando ela tinha 19 anos. Em 1884, o seu soneto "Nero" foi publicado na "Gazeta de Notícias", à época um dos mais importantes jornais do Rio de Janeiro. No começo do século 20, o reconhecimento nacional: foi eleito o "príncipe dos poetas brasileiros", pela revista "Fon-Fon", que realizou um concurso. Um dos destaques de sua obra é o livro póstumo "Tarde", publicado em 1919, ano seguinte à sua morte. Olavo Bilac também fundou vários jornais, como "A Cigarra", "O Meio" e "A Rua", que tiveram vida efêmera. 









Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.


Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.


E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;


E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar. 



Há quem me julgue perdido,porque ando a ouvir estrelas.Só quem ama tem ouvido para ouvi-las e entende-las..


Eu vos direi "Amei para entendê-las
Pois só quem ama pode ter ouvidos
Capaz de ouvir e entender as estrelas."
(Via Láctea)



Ouvir Estrelas


Ora ( direis ) ouvir estrelas!
Certo, perdeste o senso!
E eu vos direi, no entanto
Que, para ouví-las,
muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto 


E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila.
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.


Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas?
Que sentido tem o que dizem,
quando estão contigo? "


E eu vos direi:
"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e e de entender estrelas






Criação
Há no amor um momento de grandeza,
que é de inconsciência e de êxtase bendito:
os dois corpos são toda a Natureza,
as duas almas são todo o Infinito.

Um mistério de força e de surpresa!
Estala o coração da terra, aflito;
rasgá-se em luz fecunda a esfera acesa,
e de todos os astros rompe um grito.

Deus transmite o seu hálito aos amantes;
cada beijo é a sanção dos Sete Dias,
e a Gênese fulgura em cada abraço;

porque, entre as duas bocas soluçantes,
rola todo o Universo, em harmonias
e em glorificações, enchendo o espaço! 





Remorso 


Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse! 









O PÁSSARO CATIVO


Armas, num galho de árvore, o alçapão.
E, em breve, uma avezinha descuidada, batendo as asas cai na escravidão.

Dás-lhe então, por esplêndida morada, a gaiola dourada.
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo.

Por que é que, tendo tudo, há de ficar o passarinho 
mudo, arrepiado e triste, sem cantar?

É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorgeando a sua dor exalam, sem que os homens os possam entender.
Se os pássaros falassem, 
talvez os teus ouvidos escutassem este cativo pássaro dizer:

"Não quero o teu alpiste!

Gosto mais do alimento que procuro na mata livre em que a voar me viste.
Tenho água fresca num recanto escuro.

Da selva em que nasci; da mata entre os verdores,
tenho frutos e flores, sem precisar de ti!

Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola de haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde, construído de folhas secas, plácido, e escondido.

Entre os galhos das árvores amigas...
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?

Quero saudar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde, entoar minhas tristíssimas cantigas!

Por que me prendes? Solta-me, covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade!
Não me roubes a minha liberdade...

QUERO VOAR! VOAR!..."

Estas coisas o pássaro diria, se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria, vendo tanta aflição.
E a tua mão, tremendo, lhe abriria a porta da prisão... 








Flerte é um namoro inofensivo, sem conseqüências, que não acaba nem na pretoria nem na Casa de Detenção. 




Maldição


Se por vinte anos, nesta furna escura, 
Deixei dormir a minha maldição, 
_ Hoje, velha e cansada da amargura, 
Minha alma se abrirá como um vulcão. 
E, em torrentes de cólera e loucura, 
Sobre a tua cabeça ferverão 
Vinte anos de silêncio e de tortura, 
Vinte anos de agonia e solidão... 

Maldita sejas pelo ideal perdido! 
Pelo mal que fizeste sem querer! 
Pelo amor que morreu sem ter nascido! 

Pelas horas vividas sem prazer! 
Pela tristeza do que eu tenho sido! 
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!... 





A pátria não é a raça, não é o meio,
não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos:
é o idioma criado ou herdado pelo povo. 






Um beijo

Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior...Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!

Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?

Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto... 


O Amor é uma árvore ampla e rica, de frutos de ouro, e de embriaguez; infelizmente frutifica apenas uma vez. 

O amor que a teu lado levas,
a que lugar te conduz,
que entras coberto de trevas
e sais coberto de luz? 



"Que fazer para ser como os felizes?"...Ama! 

Dualismo

Não és bom, nem és mau: és triste e humano... 
Vives ansiando, em maldições e preces, 
Como se, a arder, no coração tivesses 
O tumulto e o clamor de um largo oceano. 

Pobre, no bem como no mal, padeces; 
E, rolando num vórtice vesano, 
Oscilas entre a crença e o desengano, 
Entre esperanças e desinteresses. 

Capaz de horrores e de ações sublimes, 
Não ficas das virtudes satisfeito, 
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes: 

E, no perpétuo ideal que te devora, 
Residem juntamente no teu peito 
Um demônio que ruge e um deus que chora. 


quinta-feira, 15 de março de 2012

FERNANDO PESSOA





Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu em 13 de junho de 1888 em Lisboa. Em 1893 morre seu pai e em 1894, seu irmão, Jorge. No ano seguinte, sua mãe casa-se com João Miguel Rosa, cônsul português em Durban, na África do Sul. Em 1896, a família parte para Durban onde Fernando Pessoa estuda e aprende o inglês. Em 1905, ele regressa definitivamente a Lisboa, com intenção de se inscrever no Curso Superior de Letras. Lê Shakespeare, Wordsworth e filósofos gregos e alemães. Toma contato com a poesia francesa, especialmente a de Baudelaire e lê os poetas portugueses Cesário Verde e Camilo Pessanha. Em 1907, abandona o curso superior e monta uma tipografia que mal chega a funcionar. No ano seguinte, começa a trabalhar como correspondente estrangeiro em casas comerciais, profissão que exerceu até a morte. Pessoa escolhe uma vida discreta, mas livre, sem obrigações fixas, nem horários.
 *Os heterônimos (diz-se de autor que publica um livro sob o nome verdadeiro de outra pessoa)Em 1912, Pessoa inicia sua colaboração na revista A Águia. Inicia correspondência com Mário de Sá-Carneiro que, de Paris, manda a Pessoa notícias do Cubismo e do Futurismo. Pessoa escreve, em inglês, o poema Epithalamiun e, em português, o drama O Marinheiro. Vai elaborando o projeto de vários livros e traz um novo movimento: o Paulismo, tudo isso no ano de 1913. No ano seguinte, publica Paúis, sob o título de Impressões do Crepúsculo e aparecem os heterônimos*: Alberto Caeiro e seus discípulos Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Fernando Pessoa compõe Ode Triunfal, encaminhando-se para o Sensacionismo e para o Futurismo, sob o heterônimo de Álvaro de Campos. Compõe ainda Chuva Oblíqua (poesia ortonímica), delineando o Interseccionismo.

Em 1915, surge a revista Orpheu, marco do Modernismo em Portugal. O primeiro número, dirigido por Luís Montalvor e Ronald de Carvalho, publica os poemas Ode Triunfal e Opiário (Álvaro de Campos) e O Marinheiro (Fernando Pessoa). No segundo número, saem Chuva Oblíqua e Ode Marítima. No mesmo ano, Fernando Pessoa inicia-se no esoterismo, traduzindo um Tratado de Teosofia. Em 1919, escreve Poemas Inconjuntos, assinados por Alberto Caeiro, apesar deste ter morrido em 1915. Em 1920, Pessoa passa a morar com sua mãe, que regressara, viúva, da África do Sul. Ela falece em 1925. Cinco anos depois, Pessoa escreve mais poemas, assinados por seus heterônimos. Em 1934, publica Mensagem, livro de poemas de cunho místico-nacionalista, única obra em português publicada em vida. Em 1935, no dia 30 de novembro, no Hospital São Luís, em Lisboa, morre Fernando Pessoa.

Os principais heterônimos de Fernando Pessoa são:

1- Alberto Caeiro, nascido em Lisboa em 16 de abril de 1889 - o mais objetivo dos heterônimos. Busca o objetivismo absoluto, eliminando todos os vestígios da subjetividade. É o poeta que se volta para a fruição direta da Natureza; busca "as sensações das coisas tais como são". Opõe-se radicalmente ao intelectualismo, à abstração, à especulação metafísica e ao misticismo. Neste sentido, é o antípoda de Fernando Pessoa "ele-mesmo", é a negação do mistério, do oculto.

Coerente com a posição materialista, antiintelectualista, adota uma linguagem simples, direta, com a naturalidade de um discurso oral. Os versos simples e diretos, próximos do livre andamento da prosa, privilegiam o nominalismo, a "sensação das coisas tais como são". É o menos "culto" dos heterônimos, o que menos conhece a Gramática e a Literatura. Mas, sob a aparência exterior de uma justaposição arbitrária e negligente de versos livres, há uma organização rítmica cuidada e coerente. Caeiro é o abstrador paradoxalmente inimigo de abstrações; daí a secura e pobreza lexical de seu estilo.

2- Ricardo Reis, nascido no Porto em 19 de setembro de 1887 - representa a vertente clássica ou neoclássica da criação de Fernando Pessoa. Sua linguagem é contida, disciplinada. Seus versos são, geralmente, curtos, tendendo à vernaculidade e ao formalismo. Tem consciência da fugacidade do tempo; apóia-se na mitologia greco-romana; apresenta-nos uma musa (Lídia) e, filosoficamente, é adepto do estoicismo e do epicurismo (saúde do corpo e da mente, equilíbrio, harmonia) para que se possa aproveitar a vida, mas sem exageros, sossegadamente, porque a morte está à espreita. Médico que se mudou para o Brasil.

3- Álvaro de Campos, nascido no Porto em 19 de setembro de 1887 - é o lado "moderno" de Fernando Pessoa, caracterizado por uma vontade de conquista, por um amor à civilização e ao progresso, por uma linguagem de tom irreverente. Essa modernidade tem ligações claras com o cosmopolita Cesário Verde, com Walt Whitman e com o Futurismo. Sentindo e intelectualizando suas sensações (sentir e pensar), Campos percebe a impossibilidade de não pensar, observa criticamente o mundo e a si próprio, angustiando-se diante do tempo inexorável e do absurdo da vida. Apresenta-se como o engenheiro inativo, inadaptado, inconciliado, com consciência crítica.

As vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido. 

Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo? 

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. 

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o príncipio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.

Ver muito lucidamente prejudica o sentir demasiado. E os gregos viam muito lucidamente, por isso pouco sentiam. De aí a sua perfeita execução da obra de arte.

Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta. 

Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem ideias. 

Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer. 

O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela. 

Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente. 

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente. 

Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem sempre todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor. Vence só quem nunca consegue. 

Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens. 

Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. 

Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa. 

Ver e ouvir são as únicas coisas nobres que a vida contém. Os outros sentidos são plebeus e carnais. A única aristocracia é nunca tocar. 

O mais alto de nós não é mais que um conhecedor mais próximo do oco e do incerto de tudo. 

Amar é cansar-se de estar só: é uma covardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos). 

Todo o homem de ação é essencialmente animado e otimista porque quem não sente é feliz. 

Tudo em nós está em nosso conceito do mundo; modificar o nosso conceito do mundo é modificar o mundo para nós, isto é, é modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós, senão o que é para nós.. 

Para realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele a atenção. Por isso realizar é não realizar.. 

Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária. 

Despreza tudo, mas de modo que o desprezar te não incomode. Não te julgues superior ao desprezares. A arte do desprezo nobre está nisso. 

Tudo quanto fazemos, na arte ou na vida, é a cópia imperfeita do que pensámos em fazer. Desdiz não só da perfeição externa, senão da perfeição interna; falha não só à regra do que deveria ser, senão à regra do que julgávamos que poderia ser. Somos ocos não só por dentro, senão também por fora, párias da antecipação e da promessa. 

A renúncia é a libertação. Não querer é poder. 

Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer. 

O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade. 

A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.