quinta-feira, 22 de março de 2012

BAUDELAIRE



Órfão de pai aos seis anos, Charles-Pierre Baudelaire viria a odiar o segundo marido da mãe, o general Jacques Aupick (mais tarde, esse sentimento inspiraria sua atitude rebelde em face das convenções sociais e dos temas frívolos na poesia).

Após anos de desavenças com o padrasto, Baudelaire interrompeu os estudos em Lyon para fazer uma viagem à Índia. Na volta, participou da Revolução de 1848.

Após esse período conturbado, passou a freqüentar a elite aristocrática. Envolveu-se com a atriz Marie Daubrun, a cortesã Apollonie Sabatier e a também atriz Jeanne Duval, uma mulata por quem se apaixonou e a quem dedicou o ciclo de poemas "Vênus Negra".

Em 1847, lançou "La Fanfarlo", seu único romance (trata-se, mais propriamente, de uma novela autobiográfica).

Dez anos depois, quando se publicaram "As Flores do Mal" ("Les Fleurs du Mal"), todos os envolvidos com o livro foram processados por obscenidade e blasfêmia.

Além de pagarem multa, viram-se obrigados a retirar seis poemas do volume original (só publicado na integra em edições póstumas). Tanto "As Flores do Mal" como "Pequenos Poemas em Prosa" (póstumos, 1869) introduziram elementos novos na linguagem poética, fundindo opostos existenciais como o sublime e o grotesco.

Entre seus ensaios, destaca-se "O Princípio Poético" (1876), em que fixa as bases de seu trabalho. Nos diários (também publicados postumamente), revela-se profético e radical contestador da civilização moderna.

Literato que avançou as fronteiras dos costumes em sua época, Baudelaire lançou-se como crítico de arte no Salão de 1845, sempre buscando um princípio inspirador e coerente nas obras artísticas. ("Salão" era o nome pelo qual se conhecia a mais importante mostra anual da pintura e da escultura francesas.)

De 1852 a 1865, Baudelaire traduziu os textos do poeta e contista norte-americano Edgar Allan Poe, por quem se entusiasmara já no final da década de 1840.

Outro Baudelaire, o sifilítico e usuário de drogas, surge em "Os Paraísos Artificiais, Ópio e Haxixe" (1860), uma especulação sobre plantas alucinógenas, parcialmente inspirada pelas "Confissões de um Comedor de Ópio" (1821), do escritor inglês Thomas de Quincey. Há também obras de cunho intimista e confessional, como "Meu Coração Desnudo".

Baudelaire foi um dos maiores poetas franceses de todos os tempos. Alguns o consideram um antecessor do parnasianismo, ou um romântico exacerbado. Pioneiro da linguagem moderna, impôs à realidade uma submissão lírica. Embora muito criticado, tinha entre seus admiradores homens como Victor HugoGustave Flaubert, Arthur Rimbaud e Paul Verlaine.

Dissipou seus bens na boemia e na jogatina parisienses. Mergulhado em dívidas, teve de resignar-se a medidas judiciárias tomadas pelos familiares, e um tutor foi nomeado para controlar-lhe os gastos.

Seus últimos anos foram obscurecidos por doenças de origem nervosa. Após uma vida repleta de tribulações, Baudelaire morreu com apenas 46 anos, nos braços da mãe. Seu talento e seu intelecto só seriam totalmente reconhecidos depois. No século 20, tornou-se um ícone, influenciando direta e indiretamente toda a moderna poesia ocidental. 



"Embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia e com virtude." 




Existem em todo o homem, a todo o momento, duas postulações simultâneas, uma a Deus, outra a Satanás. A invocação a Deus, ou espiritualidade, é um desejo de elevar-se; aquela a Satanás, ou animalidade, é uma alegria de precipitar-se no abismo. 





As nações não têm grandes homens senão contra a vontade delas - assim como as famílias. 




A gramática, a mesma árida gramática, transforma-se em algo parecido a uma feitiçaria evocatória; as palavras ressuscitam revestidas de carne e osso, o substantivo, em sua majestade substancial, o adjectivo, roupa transparente que o veste e dá cor como um verniz, e o verbo, anjo do movimento que dá impulso á frase. 




Apenas é igual a outro quem prova sê-lo e apenas é digno da liberdade quem a sabe conquistar. 




Quem não souber povoar a sua solidão, também não conseguirá isolar-se entre a gente. 




A imaginação é a rainha do real e o possível é uma das províncias do real. 




Deus é o único ser que, para reinar, nem precisa existir. 




Só nos esquecemos do tempo quando o utilizamos. 




Todos os grandes poetas se tornam naturalmente, fatalmente, críticos. 




Quanto mais se quer, melhor se quer. 




Não podendo suportar o amor, a Igreja quis ao menos desinfectá-lo, e então fez o casamento. 




Ali, tudo é ordem e perfeição. Luxo, calma, e sensação. 




A felicidade é composta de pequenos prazeres. 




O trabalho não é o sal que conserva as almas mumificadas? 




Manejar sabiamente uma língua é praticar uma espécie de feitiçaria evocatória. 




O homem que só bebe água tem algum segredo que pretende ocultar dos seus semelhantes. 




O poeta é como o príncipe das nuvens. As suas asas de gigante não o deixam caminhar. 




Todo o homem saudável consegue ficar dois dias sem comer - sem a poesia, jamais. 




Como foi a imaginação que criou o mundo, ela governa-o. 




Para o comerciante até a honestidade é uma especulação financeira. 




Amar as mulheres inteligentes é um prazer de pederasta. 




A imaginação é positivamente aparentada com o infinito. 




Há que trabalhar, ainda que não seja por gosto, ao menos por desespero, uma vez que, bem vistas as coisas, trabalhar é menos aborrecido do que divertirmo-nos. 




Que há de mais absurdo que o progresso, já que o homem, como está provado pelos fatos de todos os dias, é sempre igual e semelhante ao homem, isto é, sempre em estado selvagem. 




Homem livre, tu sempre gostarás do mar. 




A admiração começa onde acaba a compreensão. 




Aos olhos da saudade como o mundo é pequeno. 




Que é o amor?
A necessidade de sair de si.
O homem é um animal adorador
Adorar é sacrificar-se e prostituir-se
Assim, todo amor é prostituição. 







EMBRIAGUEM-SE!


"É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão. Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo que rompe os vossos ombros e vos inclina para o chão, é preciso embriagar-vos sem trégua.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos.
E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: 'É hora de embriagar-vos! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira'."







VAMPIRO

Tu que, como uma punhalada,
Em meu coração penetraste
Tu que, qual furiosa manada
De demônios, ardente, ousaste,

De meu espírito humilhado,
Fazer teu leito e possessão
- Infame à qual estou atado
Como o galé ao seu grilhão,

Como ao baralho ao jogador,
Como à carniça o parasita,
Como à garrafa o bebedor
- Maldita sejas tu, maldita!

Supliquei ao gládio veloz
Que a liberdade me alcançasse,
E ao vento, pérfido algoz,
Que a covardia me amparasse.

Ai de mim! Com mofa e desdém,
Ambos me disseram então:
"Digno não és de que ninguém
Jamais te arranque à escravidão,

Imbecil! - se de teu retiro
Te libertássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!" 





O homem que só bebe agua,tem um segredo a esconder. 





Teus olhos são lassos, amante!
Olhos em sono a se perder,
Nesta posição tão distante
Pode surpreenter-te o prazer
E pelo pátio o jorro de água
Não cala nunca o seu rumor,
E entretém a extasiada mágoa
Em que pode atirar-me o amor.

Mas o amor irradia
E é odo flores
Ede Febo a alegria
Enche-o de corres
E tal chuva desfia
Imensas dores 


Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhaladaNão bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada. 


“Existem manhãs em que abrimos a janela, e temos a impressão de que o dia está nos esperando.” 

O amor é um crime que não pode acontecer sem cúmplice!

"Porque o túmulo há sempre de entender o poeta" 


Eis que alcancei o outono de meu pensamento 

Como os finais de tarde outoniços são penetrantes! Ah! Penetrantes até a dor! 

Na cama está deitada a deusa, a soberana dos sonhos. Mas como é que ela veio aqui? Quem a trouxe, que poder mágico a instalou neste trono de fantasia e de volúpia? 
Que demônio benévolo é esse que me deixou assim envolto em mistério, em silêncio, em paz e perfumes? 

Sim o tempo reina; ele retomou sua brutal ditadura. E está-me empurrando, como se eu fosse um boi, com seu duplo aguilhão: "Vai, anda, burrico! Vai, sua, escravo! Vai, vive, maldito!" 

...Minha alma me parecia tão vasta e pura quanto a cúpula do céu que me envolvia. 

Há uma terra que se parece contigo, onde tudo é belo, rico, tranquilo e honesto, onde a fantasia ergueu e decorou uma China ocidental, onde a vida é doce de respirar, onde a felicidade se une ao silêncio. É lá que devemos ir viver, é lá que devemos ir morrer! - L'horloge 

Toda pessoa traz em si uma dose de ópio natural incessantemente secretada e renovada... 
Esses tesouros, esses móveis, esse luxo, essa ordem, esses perfumes, essas flores miraculosas - és tu. Ainda és tu, esses grandes rios e canais tranquilos. Os enormes navios que eles levam, todos carregados de riquezas e de onde sobem os cantos monótonos da manobra, são meus pensamentos que dormem ou resolvem-se no teu peito. Suavemente, tu os conduzes para o mar que é o infinito, espelhando as profundezas do céu na limpidez da tua bela alma; e quando, cansados do marulho e abarrotados de produtos do Oriente, eles regressam ao porto natal, são de novo meus pensamentos enriquecidos que voltam do infinito a ti. 

Quero representar uma diversão inocente. Há poucos divertimentos que não sejam culpáveis! 

Quero representar uma diversão inocente. Há poucos divertimentos que não sejam culpáveis! 

Parece-me que sempre estaria bem lá onde não estou, e essa questão de mudança é uma das que não cesso de discutir com minha alma. 


A UMA PASSANTE

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste! 



               

           As flores do mal


A QUE ESTÁ SEMPRE ALEGRE 
Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.

A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.

As fulgurantes, vivas cores
De tua vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de flores.

Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!

Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;

E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.

Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,

Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,

E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!




O CONVITE À VIAGEM

     Minha doce irmã,
     Pensa na manhã
Em que iremos, numa viagem,
     Amar a valer,
     Amar e morrer
No país que é a tua imagem!
     Os sóis orvalhados
     Desses céus nublados
Para mim guardam o encanto
     Misterioso e cruel
     Desse olhar infiel
Brilhando através do pranto.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.

     Os móveis polidos,
     Pelos tempos idos,
Decorariam o ambiente;
     As mais raras flores
     Misturando odores
A um âmbar fluido e envolvente,

     Tetos inauditos,
     Cristais infinitos,
Toda uma pompa oriental,
     Tudo aí à alma
     Falaria em calma
Seu doce idioma natal.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.

     Vê sobre os canais
     Dormir junto aos cais
Barcos de humor vagabundo;
     É para atender
     Teu menor prazer
Que eles vêm do fim do mundo.
     — Os sangüíneos poentes
     Banham as vertentes,
Os canis, toda a cidade,
     E em seu ouro os tece;
     O mundo adormece
Na tépida luz que o invade.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
 




O estudo do belo é um combate em que o artista grita de pavor antes de ser vencido.

A fatalidade possui uma certa elasticidade a que é costume chamar-se liberdade humana

A nossa alma é um ''três mastros'' em busca do seu Ícaro
A vida é um hospital onde cada doente está possuído pelo desejo de mudar de cama


Na declaração dos direitos do homem esqueceram-se de incluir o direito a contradizer-se

O belo é sempre raro
O comércio é, na sua essência, satânico

O poeta goza deste privilégio incomparável: pode a seu capricho ser o mesmo e ser outro

Para conhecer a felicidade é preciso ter a coragem de a engolir

Odeio o movimento que desloca as linhas

O Asco da Imprensa 


É impossível percorrer uma qualquer gazeta, seja de que dia for, ou de que
mês, ou de que ano, sem aí encontrar, em cada linha, os sinais da perversidade
humana mais espantosa, ao mesmo tempo que as presunções mais surpreendentes de
probidade, de bondade, de caridade, a as afirmações mais descaradas, relativas
ao progresso e à civilização.
Qualquer jornal, da primeira linha à última, não passa de um tecido de horrores.
Guerras, crimes, roubos, impudicícias, torturas, crimes dos príncipes, crimes
das nações, crimes dos particulares, uma embriaguez de atrocidade universal.
E é com este repugnante aperitivo que o homem civilizado acompanha a sua
refeição de todas as manhãs. Tudo, neste mundo, transpira o crime: o jornal, a
muralha e o rosto do homem.
Não compreendo que uma mão pura possa tocar num jornal sem uma convulsão de
asco.




O Chicote e a Preguiça 


Há loucuras matemáticas e loucos que pensam que dois e dois são três?
Noutros termos, - a alucinação pode, se estas palavras não uivam [serem
acasaladas juntas], invadir as coisas de puro raciocínio? Se, quando um homem
adquire o hábito da preguiça, do devaneio, da mandriice, ao ponto de deixar
incessantemente para o dia seguinte as coisas importantes, um outro homem o
acorda uma manhã com grandes chicotadas e o chicoteia sem piedade até que, não
podendo trabalhar por prazer, trabalha por medo, este homem - o chicoteador -,
não seria realmente amigo dele, seu benfeitor? Aliás, pode afirmar-se que o
prazer chegaria depois, com muito mais justo título do que se diz: o amor chega
depois do casamento.
Do mesmo modo, em política, o verdadeiro santo é aquele que chicoteia e mata o
povo, para bem do povo.




Prazer e o Trabalho 


Em cada minuto somos esmagados pela ideia e a sensação do tempo. E apenas
existem dois meios para escapar a tal pesadelo, para esquecê-lo: o prazer e o
trabalho. O prazer gasta-nos. O trabalho fortifica-nos. Escolhamos.
Quanto mais nos servimos de um destes meios, mais o outro nos inspira
repugnância.




As Nações e os Grandes Homens


As nações apenas possuem grandes homens sem a sua intervenção - como as
famílias. Fazem todos os esforços para não tê-los. E, assim, o grande homem
precisa, para existir, de possuir uma força de agressão maior do que a força de
resistência desenvolvida por milhões de indivíduos.




O Papel da Ilusão na Nossa Vida 


«As ilusões», dizia-me o meu amigo, «talvez sejam em tão grande número
quanto as relações dos homens entre si ou entre os homens e as coisas. E, quando
a ilusão desaparece, ou seja, quando vemos o ser ou o facto tal como existe fora
de nós, experimentamos um sentimento bizarro, metade dele complicada pela
lástima da fantasia desaparecida, metade pela surpresa agradável diante da
novidade, diante do facto real».



Criar Banalidades, até Chegar ao Génio 


Um pouco de trabalho, repetido trezentas e sessenta e cinco vezes, dá
trezentas e sessenta e cinco vezes um pouco de dinheiro, isto é, uma soma
enorme. Ao mesmo tempo, a glória está feita.
Do mesmo modo, uma porção de pequenos gozos compõem a felicidade. Criar uma 
banalidade, é o génio. Devo criar uma banalidade. 


 



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