terça-feira, 19 de junho de 2012

HENRIQUETA LISBOA







A poetisa, ensaísta e tradutora Henriqueta Lisboa  nasceu na cidade de Lambari, no Estado de Minas Gerais, no dia 15 de julho de 1901, fruto da união entre o deputado federal João de Almeida Lisboa e Maria Rita Vilhena Lisboa. Ela se torna, posteriormente, a primeira escritora a ser eleita integrante da Academia Mineira de Letras, em 1963.
Jovem estudante, ela recebe o diploma de normalista no Colégio Sion de Campanha, ainda em Minas. Logo depois, em 1924, ela se transfere para terras cariocas. Henriqueta se devota à poesia prematuramente. Em 1929 ela já tem seu primeiro poema, Enternecimento, premiado; ela angaria então o Prêmio Olavo Bilac de Poesia da Academia Brasileira de Letras.
Sua primeira obra, intitulada Fogo Fátuo, foi publicada quando ela tinha apenas 21 anos, o que confirma seu talento precoce. Ao público infantil ela reserva três livros – O Menino Poeta, de 1943; Lírica, de 1958; e o relançamento, em 1975, do primeiro trabalho devotado às crianças, lançado igualmente em disco pelo Estúdio Eldorado.
Um dos maiores impactos em sua carreira literária é a participação no movimento modernista, em 1945. Nesta época ela foi incentivada a integrar esta escola pelo amigo Mário de Andrade, principalmente através das cartas que ambos trocaram entre 1940 e 1945.
Além dos poemas, Henriqueta produziu várias traduções, ensaios e antologias. Escritora de intensa sensibilidade, ela se devotou de corpo e alma à criação de seus poemas. Ao longo de sua trajetória literária, a poetisa sempre se manteve receptiva a novos estímulos e sugestões de seus contemporâneos, conquistando assim inúmeros admiradores no meio artístico e intelectual, entre eles Mário de Andrade,Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Gabriela Mistral.
Henriqueta foi homenageada, em 1984, com o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras por sua obra como um todo. Paralelamente ao ofício literário, ela atuou também no campo do magistério, como professora de Literatura Hispano-Americana e Literatura Brasileira na Pontifícia Universidade Católica (Puc Minas) e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e como inspetora escolar.
Esta célebre poetisa morreu em 9 de outubro de 1985, na cidade de Belo Horizonte. Em 2002 houve vários eventos comemorativos em prol de seu centenário de nascimento, quando então foram relançados vários de seus livros, em meio a diversas realizações de natureza cultural.
Em sua bibliografia constam inúmeras obras, entre elas Velário (1936); Prisioneira da noite (1941); A face lívida (1945), dedicado à memória de Mário de Andrade, morto nesse mesmo ano; Flor da morte (1949); Madrinha Lua (1952); Azul profundo (1955); Nova Lírica ((1971); Belo Horizonte bem querer (1972); Pousada do ser (1982) e Poesia Geral (1985), coletânea de poemas escolhidos pela própria escritora, extraídos do total de sua obra, a qual foi publicada uma semana depois de sua morte.


Fontes:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Henriqueta_Lisboa
http://www.revista.agulha.nom.br/hlisbo00.html




Os Lírios


Certa madrugada fria 
irei de cabelos soltos 
ver como crescem os lírios.
Quero saber como crescem 
simples e belos — perfeitos! — 
ao abandono dos campos.
Antes que o sol apareça 
neblina rompe neblina 
com vestes brancas, irei.
Irei no maior sigilo 
para que ninguém perceba 
contendo a respiração.
Sobre a terra muito fria 
dobrando meus frios joelhos 
farei perguntas à terra.
Depois de ouvir-lhe o segredo 
deitada por entre os lírios 
adormecerei tranqüila.



Infância 


E volta sempre a infância
com suas íntimas, fundas amarguras.
Oh! por que não esquecer
as amarguras
e somente lembrar o que foi suave
ao nosso coração de seis anos?

 
A misteriosa infância
ficou naquele quarto em desordem,
nos soluços de nossa mãe
junto ao leito onde arqueja uma criança;

 
nos sobrecenhos de nosso pai
examinando o termomêtro: a febre subiu;
e no beijo de despedida à irmãzinha
à hora mais fria da madrugada.

 
A infância melancólica
ficou naqueles longos dias iguais,
a olhar o rio no quintal horas inteiras,
a ouvir o gemido dos bambus verde-negros
em luta sempre contra as ventanias!

 
A infância inquieta
ficou no medo da noite
quando a lamparina vacilava mortiça
e ao derredor tudo crescia escuro, escuro...

 
A menininha ríspida
nunca disse a ninguém que tinha medo,
porém Deus sabe como seu coração batia no escuro,
Deus sabe como seu coração ficou para sempre diante da vida
— batendo, batendo assombrado!


Publicado: Prisioneiro da Noite (1941)




Ciranda de mariposas

Vamos todos cirandar
ciranda de mariposas.
Mariposas na vidraça
são jóias, são brincos de ouro.

Ai! poeira de ouro translúcida
bailando em torno da lâmpada.
Ai! fulgurantes espelhos
refletindo asas que dançam.

Estrelas são mariposas
(faz tanto frio na rua!)
batem asas de esperança
contra as vidraças da lua.



Segredo

Andorinha no fio
escutou um segredo.
Foi à torre da igreja,
cochichou com o sino.

E o sino bem alto
Delém-dem
Delém-dem
Delém-dem
Delém-dem!

Toda a cidade
ficou sabendo.



A ovelha

Encontrastes acaso
a ovelha desgarrada?
A mais tenra
do meu rebanho?
A que despertava ao primeiro
contato do sol?
A que buscava a água sem nuvens
para banhar-se?
A que andava solitária entre as flores
e delas retinha a fragrância
na lã doce e fina?
A que temerosa de espinhos
aos bosques silvestres
preferia o prado liso, a relva?
A que nos olhos trazia
uma luz diferente
quando à tarde voltávamos
ao aprisco?
A que nos meus joelhos brincava




Coraçãozinho

Coraçãozinho que bate
tic-tic
Relóginho do papai
tic-tac
Vamos fazer uma troca?
tic-tic-tic-tac
Relógio fica comigo
tic-tic
dou coração a Papai
tic-tic-tac.



Mamãezinha

Mamãezinha, conta,
conta um história!

Mamãezinha agora
está no fogão
fazendo quitutes
para o seu neném.

Mamãezinha, conta,
conta uma história!

Mamãezinha agora
está no tanque
lavando as roupas
do seu neném.

Conta, Mamãezinha,
conta uma história!

Mamãezinha agora
está no seu sono
cansado, sem sonhos.


Esse despojamento 


Esse despojamento
esse amargo esplendor.
Beleza em sombra
sacrifício incruento.
 

A mão sem jóias
descarnada
na pureza das veias.
A voz por um fio
desnuda
na palavra sem gesto.
 

O escuro em torno
e a lucidez
violenta lucidez terrível
batida de encontro ao rosto
como uma ofensa física.
 

Na imensidade sem pouso,
olhos duros
de pássaro.


Publicado: A Face Lívida (1945)



De súbito cessou a vida. 


De súbito cessou a vida.
Foram simples palavras breves.
Tudo continuou como estava.
 
O mesmo teto, o mesmo vento,
o mesmo espaço, os mesmos gestos,
Porém como que eternizados.
 
Unção, calor, surpresa, risos
tudo eram chapas fotográficas
há muito tempo reveladas.
 
Todas as cousas tinham sido
e se mantinham sem reserva
numa sucessão automática.
 
Passos caminhavam no assoalho,
talheres batiam nos dentes,
janelas se abriam, fechavam.
 
Vinham noites e vinham luas,
madrugadas com sino e chuva.
Sapatos iam na enxurrada.
 
Meninas chegavam gritando.
Nasciam flores de esmeralda
no asfalto! mas sem esperança.
 
Jornais prometiam com zelo
em grandes tópicos vermelhos
o fim de uma guerra. Guerra?...
 
Os que não sabiam falavam.
Quem não sentia tinha o pranto.
(O pranto era ainda o recurso
de velhas cousas coniventes.)
 
Nem o menor sinal de vida.
Tão-só no fundo espelho a face
lívida, a face lívida.


Publicado: A Face Lívida (1945)


É estranho


É estranho que, após o pranto
vertido em rios sobre os mares,
venha pousar-te no ombro
o pássaro das ilhas, ó náufrago.

É estranho que, depois das trevas
semeadas por sobre as valas, 
teus sentidos se adelgacem
diante das clareiras, ó cego.

É estranho que, depois de morto,
rompidos os esteios da alma
e descaminhado o corpo, 
homem, tenhas reino mais alto. 
 
 (da obra Flor da Morte)


Vem, doce morte


Vem, doce morte. Quando queiras.
Ao crepúsculo, no instante em que as nuvens
desfilam pálidos casulos
e o suspiro das árvores - secreto -
não é senão prenúncio 
de um delicado acontecimento.

Quanto queiras. Ao meio-dia, súbito
espetáculo deslumbrante e inédito
de rubros panoramas abertos
ao sol, ao mar, aos montes, às planícies
com celeiros refertos e intocados.

Quando queiras. Presentes as estrelas
ou já esquivas, na madrugada
com pássaros despertos, à hora 
em que os campos recolhem as sementes
e os cristais endurecem de frio.

Tenho o corpo tão leve (quando queiras)
que a teu primeiro sopro cederei distraída
como um pensamento cortado
pela visão da lua
em que acaso - mais alto - refloresça.
 

Lábios que não se abrem, lábios 


Lábios que não se abrem, lábios
com seu segredo
calado
 
Segredo no ermo da noite
resiste à rosa dos ventos
calado.
 
Flauta sem a vibração
do sopro.
Luar e espelho, frente a frente,
em calada
vigília.
 
Fria espada unida
ao corpo.
 
Resto de lágrimas sobre
lábios
calados.
 
Borboleta da morte
em sorvo
pousada à flor dos lábios
calados
calados.


Publicado: A Face Lívida (1945)




A menina selvagem

 
Para Ângela Maria

A menina selvagem veio da aurora
acompanhada de pássaros,
estrelas-marinhas
e seixos.
Traz uma tinta de magnólia escorrida
nas faces.
Seus cabelos, molhados de orvalho e
tocados de musgo,
cascateiam brincando
com o vento.
A menina selvagem carrega punhados
de renda,
sacode soltas espumas.
Alimenta peixes ariscos e renitentes papagaios.
E há de relance, no seu riso,
gume de aço e polpa de amora.
 

Reis Magos, é tempo!
Oferecei bosques, várzeas e campos
à menina selvagem:
ela veio atrás das libélulas.


Publicado: Lírica (1958)



Assim é o medo 


Assim é o medo:
cinza
Verde.
Olhos de lince.
Voz sem timbre
Torvo e morno
Melindre.
 
Da sombra espreita
à espera de algo
 
que o alente.
Não age: tenta
porém recua
a qualquer bulha.
 
No campo assiste
junto ao títere
à cruz que esparze
vivo gazeio
de nervosismo
com vidro moído
grácil granizo
de pássaros.
 
E que rascante
violino brusco
não arrepia
ao longo o azul
dos meus veludos
se, a noite em meio
cá no fundo
quarto escuro,
a lua arrisca
numa oblíqua
o olhar morteiro.
 
Dentro da jaula
(mundo inapto)
do domador
em fúria à fera
subsinuosa-
mente resvala.
 
Aos frios reptos
do ziguezague
em choque, súbito
relampagueio,
 
 as duas forças
se opõem dúbias
se atraem foscas
para a luta
pelo avesso:
despiste e fuga
ouro e vermelho
desde a entranha.
 
As duas forças
antagônicas:
qual delas ganha
acaso
ou perde
o medo
frente a
frente ao
medo?


Publicado: Além da Imagem (1963)
 



Saudação a Drummond 


Eu te saúdo Irmão Maior
pelo que tens sido e serás
dentro do tempo espaço afora
e além da vida: luminar
homem simples da terra
aprisionado no íntimo
para libertador de pássaros
e agenciador de símbolos.
Pela pedra no caminho
que foi ato de bravura
e foi cabo de tormentas.
Pelo brejo das almas
em verde com margaridas.
Pelo sentimento do mundo
com que orvalhas o linho
da comunhão geral.
Pelas fazendas do ar
em que brindas cultivos
de transcedentes dimensões.
Pelos claros enigmas
que decifras e que armas
em desdobrados ciclos.
Pela vida passada a limpo
em lâminas de cristal.
Pela rosa do povo
com que humanizas o asfalto.
Pela lição de coisas
que nos ensinas a aprender.
Pelo boitempo este sabor
de renascimento da infância.
Em nome de Mário de Andrade
— até as amendoeiras falam —
em nome de Manuel Bandeira
em nome de Emílio Moura
presentes embora silentes
no alto da Casa em outros
mais cômodos aposentos
de onde nos contemplam líricos
a nós abaixo no vestíbulo.
Saúdo-te mineiro Carlos
de olhos azuis como os da criança
guardada sempre mais a fundo
em candidez e malícia
ao largo de lavouras híspidas
ao longo de setenta outubros
vincados de diamante e ferro
sem nostalgia de crepúsculo.
Saúdo-te com sete rosas
em botão as mais puras
colhidas de madrugada
antes do sol em suas pétalas
por teu sétimo aniversário
outrora
de menino poeta.


Publicado: Miradouro e Outros Poemas (1976)
  
 



Obras:

Fogo-Fátuo (1925)
Enternecimento (1929)
Prisioneira da Noite (1941)
A Face Lívida (1945)
Flor da Morte (1949)
Poemas (1951)
Azul Profundo (1956)
Lírica (1958)
Além da Imagem (1963)
Nova Lírica (1971)
Reverberações (1976)
Pousada do Ser (1982)
Presença de Henriqueta Lisboa (1992)



Fonte: http://pt.shvoong.com/books/biography/1659839-henriqueta-lisboa-vida-obra/#ixzz1yF60pdZj

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